FILMES E SÉRIES

Capa texto Sam Raimi

Fotos: Divulgação / Arte: Tangerina

Doutor Estranho

20 anos depois de Homem-Aranha, Sam Raimi retorna aos super-heróis

"Não achei que faria outro filme de super-herói", disse o diretor de Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, que fez uma revolução no gênero com o primeiro filme do Homem-Aranha protagonizado por Tobey Maguire

Rafael Argemon
Rafael Argemon

Se você ama ou não aguenta mais nada relacionado ao MCU (o famoso Universo Cinematográfico da Marvel), a culpa disso é em grande parte de um cara chamado Sam Raimi, que está prestes a lançar mais um filme deste universo: Doutor Estranho no Multiverso da Loucura. Há 20 anos, o cineasta consolidou o formato que hoje conhecemos como “filme de super-herói” ao dirigir Homem-Aranha (2002). Foi o primeiro longa a ultrapassar a marca dos US$ 100 milhões em seu lançamento.

Claro que há outros bons exemplos de filmes de super-heróis antes do bordão “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”, como Superman: O Filme (1978) e Batman (1989). Mas Raimi, hoje com 62 anos, era o cara certo na hora certa para aplicar sua fórmula infalível de sucesso. Homem-Aranha não é um filme sobre um super-herói. Mas sobre uma pessoa comum, como eu e você. 

O Homem-Aranha de Raimi é um cara que tem problemas mundanos, como dificuldade para pagar as contas. Que tem vergonha de se declarar para a garota por quem é apaixonado. Que duvida de seu potencial. Alguém que, por um acidente, ganha superpoderes com que nem sabe lidar direito.

Peter Parker é alguém com quem todo mundo –com exceção do povo da lista da Forbes– se conecta. Pessoas que, independentemente de idade ou gênero, se enxergam nele. Gente, como, por exemplo, um cara chamado Samuel Marshall Raimi.

Benedict Cumberbatch em cena de Doutor Estranho no Multiverso da Loucura

Trailer de Doutor Estranho no Multiverso da Loucura

Sam Raimi retorna ao universo dos super-heróis após o fracasso de Homem-Aranha 3

O espírito adolescente de Sam Raimi 

Nascido em 23 de outubro de 1959, em Royal Oak, no estado de Michigan (EUA), Raimi começou muito cedo no cinema. Ainda adolescente, ele e um grupo de amigos (como seu irmão Ted e o ator Bruce Campbell) produziram uma série de filmes caseiros que misturava terror gore com comédia pastelão à la Os Três Patetas. 

Essas brincadeiras ganharam mais corpo com Raimi já cursando cinema na Universidade Estadual de Michigan. Durante o curso, ele foi refinando cada vez mais suas técnicas de câmera inventivas, além de um senso de humor irônico que seguem sendo suas marcas registradas. Nessa época ele e sua turma concluíram Within the Woods (1978), curta que serviu como teste para o filme que mudaria sua vida: Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio (1981).

Sam Raimi: O mestre do terrir

Cena do filme Uma Noite Alucinante 2

Brunce Campbell como Ash em Uma Noite Alucinante 2 (1987)

Divulgação

Mesmo com um orçamento baixíssimo, que se traduz em um nível de gore que beira a caricatura, Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio se tornou um dos filmes de terror mais influentes de todos os tempos. Tanto que, até hoje, algumas de suas técnicas são imitadas em filmes do gênero. Como, por exemplo, o uso do que Raimi chamou de “shaky cam” (câmera tremida). Uma câmera portátil que replicava o ponto de vista de um determinado personagem ou objeto.

O sucesso cult de Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio levou o mega produtor italiano Dino De Laurentiis a financiar uma sequência que, na verdade, é o mesmo filme com um orçamento mais robusto e mais humor. Muito mais humor! Uma Noite Alucinante 2 (1987) extrapolou o círculo cinéfilo dando ao terror um estilo mais cartunesco, que se beneficiou bastante da figura canastrona de Bruce Campbell como Ash. Um personagem que se transformou em um ícone da cultura pop. Só pra se ter uma ideia disso, ele é a estrela de um jogo para várias plataformas que será lançado no dia 13 de maio, uma sexta-feira 13: Evil Dead: The Game.

No entanto, antes de terminar a trilogia de Ash Williams com Uma Noite Alucinante 3 (1992), Raimi transformou em realidade outra de suas obsessões: transportar para a tela a sua paixão pelos quadrinhos. Mas sua introdução ao mundo dos super-heróis no cinema não começou com o Homem-Aranha.

Filmando certo por linhas tortas

Por incrível que pareça, Raimi criou seu próprio super-herói para traduzir essa estética das HQs que ele tanto ama em imagens em movimento. Estrelado por Liam Neeson, Darkman: Vingança sem Rosto (1990) não foi um grande sucesso de bilheteria, mas rendeu duas sequências direto para o vídeo e uma série de quadrinhos da Marvel. Ou seja, o cineasta conseguiu fazer o caminho contrário, transformando seu filme em uma HQ.

E foi a partir desse trabalho que Raimi conseguiu a base para convencer os produtores da Sony e Avi Arad (até então o cara da Marvel). Ele não era nem de perto o nome mais cotado para assumir o filme do Homem-Aranha, mas, além de mostrar do que era capaz como cineasta e que entendia como ninguém a estética dos quadrinhos, vendeu seu peixe ao indicar que seu filme de super-herói não era um “filme de super-herói”. 

Até chegar lá, Raimi diversificou. Dirigiu Rápida e Mortal (1995), um faroeste protagonizado por uma mulher, no caso Sharon Stone; o excelente thriller criminal Um Plano Simples (1998); Por Amor (1999), um drama que mistura romance e beisebol, com Kevin Costner, que foi um grande hit da época; e o ótimo suspense sobrenatural O Dom da Premonição (2000).  

O Homem-Aranha de Sam Raimi

Cena de Homem-Aranha 2

Tobey Maguire como o Homem-Aranha de Sam Raimi

Divulgação

De 2002 a 2007, a carreira de Sam Raimi se resumiu aos filmes do Homem-Aranha. O primeiro, além de ter sido um estrondoso sucesso de bilheteria, consolidou as bases para o que conhecemos hoje como a estrutura padrão de uma produção do gênero, que ele aperfeiçoou e consolidou em Homem-Aranha 2 (2004).

A receita que o cineasta apresentou no segundo filme, e que lhe rendeu o respeito total da crítica, equilibrava com perfeição a ação externa e os conflitos internos do protagonista e do antagonista. Era algo raro para qualquer blockbuster, seja de super-herói ou não. E ainda trazia um vilão com bem mais camadas do que estávamos acostumados no gênero. Um tipo de entretenimento puro, muito humano, que parece ter se perdido no que hoje é praticamente uma linha de produção industrial da Marvel.

Uma armadilha que o próprio Raimi caiu em 2007, quando lançou Homem-Aranha 3, o filme que decretou de vez o afastamento do cineasta desse gênero. Ele amplificou tudo. Porém, mais vilões e subtramas não ajudaram em nada a jornada de Peter Parker, que acabou virando motivo de chacota com sua “versão emo”.

“É um filme que simplesmente não funcionou muito bem. Eu tentei fazer funcionar, mas eu realmente não acreditava em todos os personagens, então isso não poderia ser escondido das pessoas que amavam o Homem-Aranha. Se o diretor não ama algo, é errado tentar convencer as pessoas do contrário. Esse era o objetivo [aumentar o escopo do filme depois de Homem-Aranha 2], mas foi isso que nos condenou. Eu deveria ter ficado apenas com os personagens e os relacionamentos e progredido para o próximo passo, não tentar superar uma barra já bem alta”, confessou Raimi em uma entrevista ao podcast Nerdist em 2015.

No multiverso da amargura

O fracasso de Homem-Aranha 3 bateu forte em Raimi. Desiludido com a recepção raivosa do filme, ele preferiu retornar à sua base. Ainda mais depois que a Marvel, já estruturada como é hoje em dia, ter iniciado uma nova era dentro do universo dos filmes de super-heróis, com Homem de Ferro já em 2008.

Dois anos depois de Homem-Aranha 3, Raimi lançou Arraste-me para o Inferno (2009). O tipo de filme que agrada em cheio seus maiores fãs: um terror com muita comédia e gore. Uma produção bem mais modesta que seus arrasa-quarteirões anteriores, que foi bem recebida por crítica e público, mas que, claro, nem chegou perto da repercussão da trilogia do Cabeça de Teia.

Após Arraste-me para o Inferno, Raimi retornou à direção apenas em 2013. O resultado, porém, não foi nada animador. Oz: Mágico e Poderoso foi recebido com indiferença e o cineasta acabou focando mais na produção. De lá pra cá, ele produziu filmes como a refilmagem Poltergeist: O Fenômeno, O Homem nas Trevas, Predadores Assassinos e O Homem nas Trevas 2, além da série com seu querido personagem Ash, Ash vs Evil Dead.

De volta à loucura dos super-heróis

Doutor Estranho

Benedict Cumberbatch retorna ao personagem do Doutor Estranho sob nova direção

Divulgação/IMDB

Nove anos depois de de Oz e 20 depois do primeiro Homem-Aranha, quando menos se esperava, Sam Raimi retorna à cadeira de diretor para comandar a grande aposta da Marvel para consolidar sua nova fase: Doutor Estranho no Multiverso da Loucura. Um desafio que nem ele próprio sabia ser capaz de encarar.

“Eu não sabia que poderia enfrentar isso [dirigir um filme grande de super-herói] novamente porque foi tão horrível o que aconteceu com Homem-Aranha 3. Foi difícil retomar meu trabalho”, disse Raimi ao site Collider.

Quando Scott Derrickson deixou o projeto da sequência de Doutor Estranho (2016), Raimi recebeu uma ligação de seu agente dizendo que o nome dele havia surgido em discussões sobre um substituto para Derrickson na Marvel. “Pensei: ‘Será que ainda posso fazer isso?’ Esse tipo de filme exige muito de você. Mas já que estavam pensando em meu nome, achei que isso já fosse motivo suficiente. Eu sempre gostei muito do personagem do Doutor Estranho. Eu amei o primeiro filme. Acho que Scott Derrickson fez um trabalho maravilhoso. Então, topei. Eles deixaram o personagem em um ótimo lugar. Não achei que faria outro filme de super-herói. Simplesmente aconteceu”, conclui.

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Rafael Argemon

Rafael Argemon

Rafael Argemon é criador do perfil O Cara da Locadora no Instagram e também assina uma coluna com o mesmo nome na Tangerina, onde indica as pérolas escondidas nas plataformas de streaming. Cinéfilo e maratonador de séries profissional, passou por Estadão, R7, UOL, Time Out e Huffpost. Apaixonado por pugs, sagu e jogos do Mario.

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