Divulgação/Lucas Nogueira
Xodó da música brasileira, cantora baiana lançou seu disco de estreia, fez turnê na Europa, foi elogiada por Elza e Caetano e está em produções da Netflix, Disney+ e HBO Max
Em um típico dia de primavera parisiense, Agnes Nunes celebra as vitórias que o álbum Menina Mulher tem proporcionado a ela. “Eu não imaginava que a música realmente cruzava fronteiras”, reflete em entrevista à Tangerina. O primeiro disco da carreira, lançado em 2022 pela major Universal Music, viaja pela Europa em uma turnê internacional, interpretado pela voz doce, mansa e gentil da artista. “Percebi como a música é algo universal e o quanto ela une as pessoas”.
Embora Agnes tenha raízes materiais no Brasil —a artista nasceu em Feira de Santana, na Bahia—, o distanciamento do país fez com que ela entendesse a potência da própria música e das histórias que contou no registro. Graças às 10 faixas, nas quais dissolve elementos musicais do jazz, r&b, da MPB e da música pop, a artista ganhou elogios calorosos de artistas fundamentais como Caetano Veloso, Seu Jorge e Elza Soares (1937–2022). O reconhecimento deu a Agnes o título de “nova aposta da música brasileira”.
Com essa designação, claro, surgem muitas expectativas e etiquetas. Algo que a artista não anseia. “Sou muito agradecida por tudo o que vem acontecendo comigo, muito mesmo. Acho que essa coisa de ser vista como uma grande aposta acaba colocando muitas expectativas e as pessoas acabam me tachando como cantora de MPB ou de R&B. E eu só faço minha música… Só quero que ela chegue nas pessoas, mude vidas, as transformem e ecoem os mais bons pensamentos possíveis”.
Para isso, Agnes usou da força das narrativas que se aproximaram dela ao longo da vida —embora muitas tenham sido violentas e desagradáveis. Uma delas é o racismo que sofreu, especialmente na escola. “Passei por muita coisa que geralmente crianças de 12 anos não deviam passar. Ouvi muita coisa ruim sobre o meu cabelo, sobre o meu tom de pele. Muitas vezes, eu não comentava com a minha mãe, não comentava com ninguém. Eu pegava para mim esses episódios”, relembra.
Segundo a artista, esses momentos foram a deixando “meio cascuda”. “Olhar para o passado me orgulha, porque eu me vejo como uma criança que teve uma força muito grande, mesmo sabendo que passaria por aquilo na escola, porque eu sabia que eu precisava terminar [os estudos]”, completa.
Sendo assim, para representar o primeiro álbum, ela escolheu uma foto tirada por Lucas Nogueira, que a acompanhou durante as sessões de lapidação do disco na Bahia. A capa traz Agnes Nunes em frente a uma parede marrom-amarela onde esbanja o próprio black power, símbolo de resistência histórica e empoderamento. “Eu olho e tenho orgulho do que eu era, do que eu me tornei e rezo para eu ter orgulho do que eu venha a me tornar”, pontua.
O disco é divulgado pelo selo Bagua Records
Divulgação/Lucas Nogueira
Além da representação política e social que permeia a existência de Agnes, a artista também evoca os desencontros amorosos que viveu —nos “poucos anos” de vida, como ela mesmo lembra— no disco. A primeira canção escrita por ela foi Vish, aos 15 anos. Na época, Agnes vivia um relacionamento durante o qual não falava expressões nordestinas e evitava o sotaque. “Eu não era quem eu era. Quando terminei [o relacionamento], a primeira coisa que eu fiz foi fazer essa música assim”, revive.
Ao longo da construção de Menina Mulher, Agnes se viu imersa no processo de se reconhecer. Não à toa, passou uma temporada na Bahia, seu estado natal que não visitava há 18 anos. Lá, se despiu do medo do mar, revisitou conexões e começou um processo de renovação pessoal. “Comecei [o disco] com uma visão sobre o amor e terminei com outra. Antes, eu achava a dor um processo horrível e desnecessário. Hoje, eu entendo que ela significa muitas coisas”.
Com isso, o disco serviu como um processo natural de amadurecimento da cantora. “Foi um processo muito louco, vivido com muita intensidade. Esse álbum é algo muito especial para mim porque ele literalmente me acompanhou durante essa transição de menina para mulher”, pontua.
Quem ouve o confortável vocal de Agnes também percebe as nuances nas composições —especialmente quem sentiu o amargo de uma desilusão amorosa durante esse período da vida. As texturas brandas e o gracioso ritmo das canções abraçam o coração ansioso dos ouvintes, portanto. “Menina Mulher também me ensinou a ter calma e entender que tudo na vida é um processo”.
A artista mescla ritmos do samba, R&B, pop e MPB no disco de estreia
Divulgação/Lucas Nogueira
Antes de se juntar aos produtores Neobeats e Kassin para criar o tom do disco, Agnes já havia prosperado musicalmente por meio de covers divulgados no YouTube. Para aliviar o desconforto que sentia ao frequentar a escola, teve como refúgio um teclado, presente dado pela mãe. “Eu chegava em casa e ia direto para o quarto cantar karaokê. Fazia tudo, menos o que era da escola. Um dia, peguei escondido o telefone da minha avó, gravei um vídeo, criei uma conta no YouTube às pressas e postei”. Segundo ela, a inocente brincadeira “deu no que deu”.
Os covers de Alceu Valença (La Belle de Jour-Girassol e Morena Tropicana) e Gloria Groove conquistaram a atenção de personalidades como Lázaro Ramos, Preta Gil, Maísa e mais. Esse alcance, portanto, proporcionou à artista parcerias com Xamã, DJ Kelvinho e CMK, antes mesmo de estrear com Menina Mulher.
Em 2019, ela foi convidada pelo dono do hit Malvadão 3 para participar do projeto Elas por Elas, que homenageia as mulheres da música brasileira. Em setembro de 2020, foi convidada para participar de uma live ao lado da lendária Elza Soares e de Seu Jorge. Momento que a emociona até hoje.
Assista a live Clássicos do Samba
A apresentação fez parte de uma iniciativa para doar refeições aos mais afetados pela pandemia
Pela sintonia imediata com o rapper Xamã, os dois voltaram a colaborar. Desta vez, no projeto Zodíaco, disco lançado pelo artista durante o auge da pandemia de Covid-19. Nele, cada canção representava um signo das 12 casas, sendo Agnes a responsável por representar o signo de escorpião. No final daquele ano, o produtor Plinio Profeta convidou Agnes para compor a canção Juntos a Magia Acontece. A faixa foi tema do especial de Natal da TV Globo e ganhou o Leão de Ouro na categoria Entretenimento, no festival Internacional de Criatividade de Cannes 2020/2021.
Agora, a artista se prepara para um grande show no Rock in Rio 2022 ao lado de nomes significativos da indústria brasileira. Agnes faz parte da lista de artistas que vão se apresentar no palco Sunset, no dia 9 de setembro, no show 1985: A HOMENAGEM.
A ideia do criador e presidente do evento, Roberto Medina, é celebrar os nomes que estiveram presentes na primeira edição do evento com artistas que bombam nas paradas musicais atuais. A mistura traz, além de Agnes, Ivan Lins, Elba Ramalho, Blitz, Alceu Valença, Pepeu Gomes, Luisa Sonza, Liniker, Xamã e Andreas Kisser.
Assista ao clipe de Última Dança
A artista é considerada o novo "xodó" da música brasileira
Em exibição nos cinemas, Medida Provisória, filme de Lázaro Ramos, conta com a voz doce de Agnes na trilha sonora. Para o filme, a artista canta o clássico de Cartola, Preciso Me Encontrar. Segundo ela, o cantor e poeta brasileiro é um de seus artistas preferidos. Quando questionada se a missão dada por Lázaro a pressionou, Agnes responde que “pediu benção” a Cartola, então tudo ficou certo. “Foi um dos meus convites favoritos no mundo. Fiquei muito agradecida”.
A participação da artista no drama do ator e diretor, contudo, não foi o primeiro —e não será o último. Agnes se prepara para grandes lançamentos na indústria do audiovisual. Ela estará na nova produção da Netflix, Só Se For Por Amor, série que acompanha a história de um casal que decide criar uma banda em Goiás. Porém, a história toma novos rumos quando a vocalista recebe a proposta de uma carreira solo. Na produção, Agnes é a nova substituta da banda.
Além da participação na gigante do streaming, a artista também estrela Tá Tudo Certo, produção do Disney+. O enredo acompanha jovens músicos em São Paulo, que tentam construir as próprias carreiras, enquanto lidam com questões pessoais. Agnes contracena com Ana Caetano (do duo Anavitória) e Pedro Calais (Lagum), além de Manu Gavassi, Vitão e Rubel.
Em mais um pulinho em outra plataforma streaming, a artista aparece como a quarta convidada de Ivete Sangalo na série documental Onda Boa, produzida pela HBO Max. Juntas, cantam Tudo Vai Dar Certo. Agnes também foi convidada para cantar no A Colors Show, plataforma baseada em Berlim na Alemanha. Nos últimos meses, o projeto apresenta uma curadoria voltada para artistas brasileiros e a cantora de 20 anos foi uma delas. “Foi uma experiência muito linda, eu sabia que ali estavam me abrindo portas para o mundo”, resume.
Assista a Não Quero, de Agnes Nunes, no Colors Show
A artista integrou o time de brasileiros que se apresentaram na plataforma
Nicolle Cabral
Antes de ser repórter da Tangerina, Nicolle Cabral passou por Rolling Stone, Revista Noize e Monkeybuzz. Nas horas vagas, banca a masterchef para os amigos, testa maquiagens e cantarola hits do TikTok.
Ver mais conteúdos de Nicolle CabralTangerina é um lugar aberto para troca de ideias. Por isso, pra gente é super importante que os comentários sejam respeitosos. Comentários caluniosos, difamatórios, preconceituosos, ofensivos, agressivos, com palavrões, que incitam a violência, discurso de ódio ou contenham links vão ser deletados.
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