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Em artigo, advogado, paratleta e ativista explica o termo preconceituoso usado recentemente pelas popstars
Duas notícias recentes, envolvendo o cenário pop mundial, vêm comprovar que o capacitismo é uma realidade estrutural em todos os aspectos da sociedade, e a arte e cultura não ficam alheias a ele.
O novo álbum de Beyoncé, Renaissance, trouxe um termo capacitista na faixa Heated, e isso gerou protestos em larga escala, o que deve levar a cantora a modificar a letra da música, segundo informações de sua assessoria.
Algo semelhante já havia acontecido com a rapper Lizzo, que igualmente se desculpou pela utilização de um termo capacitista no álbum Special, na faixa GRRRLS. Na ocasião, Lizzo também afirmou que sabe a dor que um termo preconceituoso pode causar, pois ela mesmo já sofreu gordofobia e racismo.
O que se depreende dos dois fatos é que, de um lado, as pessoas com deficiência e aliadas estão demarcando bem o espaço e sabendo protestar quando necessário. Por outro, ainda temos um longo caminho a trilhar a fim de que a sociedade compreenda como termos capacitistas causam dor e são impróprios.
A atitude de Lizzo, ao se corrigir e pedir desculpas, é absolutamente correta, pois demonstra o comprometimento que artistas devem ter ao não tolerar termos capacitistas, os quais podem induzir ao ódio e à discriminação. É de se esperar que Beyoncé também faça o mesmo.
A utilização de termos como “spaz” (que remete a espasmo), como ocorreu nas duas músicas, fere pessoas que sofrem espasmos em decorrência de suas deficiências, como também quem possui doenças e condições neurológicas que causam essa reação. Isso acontece comigo, rotineiramente aliás, por conta da lesão medular que possuo. Não se trata de algo engraçado, ou triste, mas um fato.
A utilização depreciativa de tais termos, entretanto, atinge e discrimina pessoas com deficiência. É aí que reside a necessidade de se agir através de protestos, boicotes etc., a fim de que um eventual capacitismo recreativo não ganhe corpo, desinforme e ainda assegura renda a quem age em detrimento do respeito que a legislação (além do bom senso) impõe.
Isso também vale para quem trata de forma estigmatizada e negativa qualquer deficiência. É necessário lembrar que em casos assim sempre há quem chame a atuação da militância como “mimimi”, mas ressaltemos: só age desta forma quem não é o alvo do preconceito.
Não por acaso, a governança de grandes empresas, corporações e entes públicos, cada vez mais, se ocupa do comprometimento com pautas como diversidade, inclusão e equidade, pois são ligadas diretamente à responsabilidade social que têm. Siglas como ESG e DEI, portanto, vão muito além do que um conjunto de letras representa, motivo pelo qual quem não se preocupa em estar atualizado num momento histórico tão feérico já está partindo com desvantagem.
A percepção que populações ante invisibilizadas até mesmo para o consumo estão cada vez mais exigindo a atenção que merecem, também norteia gestões inclusivas, seja na esfera pública ou privada.
A rica e exuberante diversidade que há no planeta, em suas várias representatividades, não é um óbice, mas sim uma característica fundamental para nossa condição humana. A inclusão, em vez de ser um empecilho como ainda pensam alguns, é justamente um instrumento poderoso a fim de que construamos e preservemos pontes, sendo a cultura e suas inúmeras manifestações, um dos mais necessários mecanismos de aproximação entre diversos.
Essa atitude inclusiva e respeitosa às diferenças, além de uma tendência moderna, também representa uma evolução necessária da sociedade. Termos e ações capacitistas, racistas, misóginas, lgbtfóbicas, por exemplo, perdem cada vez mais espaço na arte, pois a compreensão de que elas são excludentes, não o contrário, vai sendo cada vez mais pacificada.
O resultado disso tudo ainda acarreta —e acarretará— o esperneio de uma minoria que resta apavorada com a inegável transição que testemunham. São figuras que remetem aos dinossauros que provavelmente ignoravam ou agiam indóceis contra o cometa que surgiu nos céus do planeta há bilhões de anos e vaticinava uma grande mudança.
É assim que agem hoje aqueles que destilam ódio ou insensibilidade ao buscar defender o direito de agredir ou de se deliciar com o sofrimento alheio. Estes, enfim, não terão êxito.
As vozes que exigem respeito, que protestam contra o capacitismo e as várias outras formas de preconceito em todas as estruturas sociais, vieram para ficar. O preconceito, um dia —espero que em breve— passará. Nós, com a licença de Quintana, passarinhos.
* Emerson Damasceno é advogado e paratleta. Presidente da Comissão de Defesa da Pessoa com Deficiência da OAB-CE, da Comissão Especial de Defesa da Pessoa Autista do Conselho Federal da OAB e Coordenador Especial da Pessoa com Deficiência da Prefeitura de Fortaleza. Advogado graduado desde 1996 e pós-graduando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza. Pessoa com deficiência desde 2014, após um atropelamento durante um treino para mais um Ironman, em 2019 falou na sede da ONU em defesa das pessoas com deficiência.
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