Pop brasileiro: da esquerda para à direita: Gloria Groove, Urias, Anitta e Pabllo Vittar
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Por que 2022 pode ser o ano para o pop brasileiro virar internacional?

Anitta, Pabllo Vittar e Gloria Groove trilham caminhos que podem levar à globalização da música pop brasileira. Mas o que falta para isso ser uma realidade, como foi para o reggaeton?

Divulgação/Arte: Tangerina

Renan Guerra
Renan Guerra
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O tão aguardado disco internacional de Anitta, com grandes produtores estrangeiros, está previsto para sair nos próximos meses. Enquanto isso, a faixa Envolver se tornou um hit internacional, impulsionado pelo TikTok. Em abril, Anitta e Pabllo Vittar estarão no line-up do Coachella. Pabllo também fará uma extensa turnê internacional, acompanhada pela amiga Urias. Gloria Groove foi outra que falou sobre planos para começar a explorar o mercado americano. Será que 2022 vai ser o ano em que seguiremos o caminho do reggaeton para internacionalizar de vez o pop brasileiro?

Antes de responder a questão, precisamos definir um conceito fundamental que estamos falando aqui.

O que queremos dizer com internacionalização do pop? 

Quando mencionamos “pop internacional”, estamos falando realmente de entrar no mercado norte-americano de música. Poderíamos considerar um mercado global de música, e aí entram outros nichos de consumo —o mercado latino e ibero-americano, o europeu e o asiático. Dá para desenhar um mapa do pop global, podemos dizer assim.

De todo modo, um dos principais caminhos para esse acontecimento global passa pelo mercado norte-americano e pelas plataformas de divulgação dos Estados Unidos. E aí nós, enquanto brasileiros, esbarramos em questões linguísticas, geográficas e sonoras. Em resumo, somos muito diferentes dos norte-americanos —assim como também o são os latinos falantes do espanhol. 

Anitta e o dançarino em clipe de Envolver

Assista ao clipe de Envolver

A música já acumula 1.6 milhões de reproduções no Spotify

Somos um país de tamanho continental, com o português como idioma e casa de misturas rítmicas diversas. Tudo isso nos afastou de outros mercados de música pop e nos colocou sempre no espaço do exótico. Para o DJ Zé Pedro, criador da gravadora Joia Moderna e um apaixonado pela história da música brasileira, isso tudo “começa com Carmen Miranda, entre as décadas de 1930 e 1950, que não era brasileira, mas foi vendida como tal no mundo todo. Depois tivemos a febre da música de Sérgio Mendes e Astrud Gilberto nos anos 1960. E nos anos 1990, Bebel Gilberto conquistou o mapa-múndi com sua new bossa”, explica ele, fazendo uma linha do tempo simples.

“O que todos eles têm em comum? Terem saído do Brasil e permanecido durante um período ou para sempre no exterior. Entre perdas e danos, o que fica mais claro fazendo esse balanço é que permanecemos exóticos e estrangeiros, mesmo fazendo sucesso massivo. Isso não é somente um fenômeno daqui. Ricky Martin, Shakira e quiçá Jennifer Lopez também serão sempre considerados artistas latinos com certa dose de separatismo e preconceito”, finaliza Zé Pedro. 

O peso global do streaming

De todo modo, adicionamos agora um novo ponto importante nessa logística: as plataformas de streaming. Antes, era preciso uma logística de distribuição gigantesca das gravadoras e selos para que um disco chegasse aos outros países. Só assim ele seria essencialmente ouvido por um público diferente. Com plataformas globais, isso fica pra trás, ainda mais quando consideramos os números surreais que o Brasil constrói dentro desses espaços. 

“O avanço de redes sociais pautadas em trends, como TikTok e Instagram, abriu os olhos do mundo para alguns ritmos até então incomuns pro mercado dito ‘global’”, explica Zebu. Ele é produtor da Brabo Music, time que trabalha com nomes como Pabllo Vittar, Alice Caymmi e Urias. “Aí criou-se um cenário muito favorável pra gente, né?”, segue Zebu. “Nosso mercado é gigantesco e os números assustam o pessoal de fora, os nossos artistas têm engajamento social gigantesco, têm algo que se procura muito lá fora (autenticidade, imagem diferente) e muito apoio dos fãs. Então, acho que virou uma chave de também olhar como o mercado brasileiro tem artistas fortes pra eles se aliarem”. 

O avanço de redes sociais pautadas em trends, como TikTok e Instagram, abriu os olhos do mundo para alguns ritmos até então incomuns pro mercado dito ‘global’.

Zebu

Produtor e compositor de hits de Pabllo, Urias e outros

A questão de sermos um país continental tem suas vantagens. Afinal, o ouvinte brasileiro é um nicho importante dentro das estatísticas das plataformas de streamings. Em dados divulgados pelo Spotify em 2019, o Brasil era considerado o segundo maior mercado de podcasts do mundo, por exemplo. Segundo dados da Associação Brasileira de Música Independente (ABMI), o Brasil tem 60 milhões de usuários de plataformas de streaming. E adicione aí os dados do YouTube: são 105 milhões de internautas ativos entre 18 e 65 anos na plataforma de vídeos.

Somos um mercado e tanto, mas queremos mais. É o que acredita também a cantora Urias: “acho que a gente está sempre mirando mais alto, principalmente com a internet e com as mil possibilidades do mundo inteiro ver o nosso trabalho. Acho que [o pop brasileiro] tem que virar internacional mesmo. As pessoas têm que saber que existe corpos de todos os lugares. Existe tanta coisa aqui no Brasil: o funk, o tecnobrega, tanta coisa que a gente inventou, sabe? Tem que ir pro mundo inteiro mesmo”.

Um trabalho de formiguinha para chegar no mercado internacional

Para falar que 2022 é um ano importante para os artistas brasileiros no cenário internacional, é fundamental entender que nada é por acaso. Anitta não está agora lançando singles em outras línguas e dando entrevistas na TV norte-americana por sorte. Isso é fruto de um trabalho árduo que ela e outros artistas vêm construindo há alguns anos. 

Pode-se pensar em múltiplos caminhos para uma genealogia recente da internacionalização da música pop brasileira. Estariam aí os samples de funk feitos por Diplo e M.I.A.; as turnês internacionais de DJ Marlboro, Tati Quebra Barraco e Deize Tigrona no início dos anos 2000; o funk, o samba e o Rio de Janeiro como tópicos constantes na obra do Black Eyed Peas, entre outros caminhos.

Por nossos limitantes linguísticos e de distanciamento, é interessante pensar que o Brasil se destacou e se destaca no mercado internacional a partir de suas batidas. “Na questão do beat”, pelo ritmo, é o que pontua Thiago Soares, professor e pesquisador da UFPE, integrante do grupo de pesquisa Grupop – Comunicação, Música e Cultura Pop

Pedro Sampaio é uma figura que está trazendo essa mescla do funk com batidas do universo pop, com uma embalagem própria, que cata referências da música pop. É um tipo de entrada interessante [nesses mercados] mesmo cantando em português.

Thiago Soares

Professor e pesquisador da UFPE, integrante do grupo de pesquisa Grupop

O ponto é que de lá pra cá foi necessário, de algum modo, polir isso, tornar tudo mais palatável para diferentes públicos. Aqui, Soares considera interessante entender essas mesclas entre o funk brasileiro e o pop internacional. “Há que se destacar o trabalho do DJ Pedro Sampaio. Ele é uma figura que está trazendo essa mescla do funk com batidas do universo pop, com uma embalagem própria, que cata referências da música pop. É um tipo de entrada interessante [nesses mercados] mesmo cantando em português”. 

Esse caminho pode ser uma perspectiva para se pensar em exemplos simbólicos. Drik Barbosa, Karol Conká e Gloria Groove conseguiram emplacar a faixa Quem Tem Joga na trilha sonora do filme O Esquadrão Suicida (James Gunn, 2021). Considerando as barreiras linguísticas, o que primeiro capta os ouvintes que não falam português é a batida envolvente, cheia de ritmo. 

Na visão do produtor e compositor Pablo Bispo, que já trabalhou com nomes como Pabllo Vittar e Anitta, o importante é que o artista entenda a sua essência, sua verdade. Depois disso, Bispo completa que é preciso “entender como essa verdade funciona em cada região, pois o mercado do Brasil funciona de forma diferente nos EUA, que é diferente da Europa e por assim adiante. O mais importante de tudo é entender o outro, pois você está fazendo música para os outros”.

Contudo, Bispo considera que isso precisa ser um processo natural dos performers. “O mais importante, se você tiver essa oportunidade, é fazer isso com passinhos de formiga mesmo: primeiro fazer a sua verdade, depois fazer a sua verdade chegar em pessoas, depois uma grande música —no sentido de um hit— e assim vai”, finaliza.

Foto fechada no rosto da cantora Pabllo Vittar

Pabllo Vittar fará shows no Coachella (EUA) e Primavera Sound (ESP), dois dos maiores festivais do mundo

Divulgação/Ernna Cost

Pabllo Vittar é um grande exemplo de quem prioriza a própria essência. A cantora tem composições com artistas estrangeiros e já se aventurou em faixas em inglês e espanhol. Porém, o seu principal tempero está na mistura complexa de ritmos brasileiros que ela faz, indo do forró ao funk, sem distinção. 

Remix de Pabllo é o mais popular em disco de Lady Gaga

Fun Tonight, remix feito por Vittar para o disco Dawn of Chromatica, de Lady Gaga, traz versos simples em inglês. No entanto, o seu charme é colocar Lady Gaga para dançar forró. Inesperado para uma parcela do público, porém uma ousadia que rendeu. Fun Tonight é a faixa mais executada do disco de remix de Gaga, com mais de 13 milhões de plays no Spotify. O número reforça o peso dos ouvintes brasileiros no streaming.

Pabllo é uma entusiasta do que vem sendo feito por artistas brasileiros, tanto no mainstream quanto de forma independente. A drag acredita que esse é o nosso diferencial no mercado. “E eu fico muito feliz com cada lançamento”, conta a cantora, “a Glória [Groove], a Luísa [Sonza], a Anitta, o Jão, que fez um trabalho maravilhoso com Pirata. A Duda Beat, minha amiga maravilhosa. Eu tenho certeza que o pop brasileiro está servindo de referência para o pop internacional. Esse ano, sim, vai ser o ano do pop nacional alcançar níveis mundiais. Com toda certeza”.

Este ano, aliás, Pabllo Vittar e Anitta estão no line-up do festival Coachella, um dos mais importantes da música norte-americana. E as duas conseguiram um destaque que nunca havia sido dado a artistas brasileiros no hierárquico cartaz do evento. Anitta aparece na segunda linha, entre os headliners, e Pabllo na quarta. Parece algo bobo, mas antes artistas brasileiros apenas tinham conseguido a sexta linha (Bonde do Rolê, Cansei de Ser Sexy e Seu Jorge) ou as letrinhas miúdas, lá embaixo. Pabllo ainda está no Primavera Sound, de Barcelona, outro festival de repercussão mundial.

Girl from Rio: Anitta é o momento

Não se pode dizer com exatidão o que 2022 significará para o pop brasileiro, mas fizemos aqui algumas apostas e caminhos que estão sendo apontados. O que se sabe é o que já temos visto agora: artistas pop brasileiros trilhando seus caminhos de forma interessante em múltiplas frentes. Cada um mira nas direções comerciais e artísticas que fazem sentido para si.

De todo modo, o que podemos afirmar com certeza é que Anitta já é uma figura central nisso tudo. Seu novo disco, Girl from Rio, a ser lançado ainda este ano, deve apenas reafirmar isso. Por enquanto, ela já tem um bom histórico. Deu entrevista a Jimmy Fallon; fez performance ao vivo no Jimmy Kimmel; participou do disco de Madonna; marca presença nos eventos importantes da temporada de celebridades; e protagoniza uma sólida construção de imagem, que passa desde a criação de clipes e sonoridades até sua persona sempre presente no virtual, o que traça sua autenticidade perante os fãs.

Anitta em foto de divulgação do próprio documentário da Netflix

Veja Anitta no Jimmy Fallon

Cantora brasileira deu entrevista ao comediante americano

A mais recente conquista é o sucesso internacional da faixa Envolver, impulsionado por sua coreografia sensual que se tornou uma trend de sucesso no TikTok. Envolver entrou na lista das 50 músicas mais ouvidas no Spotify em todo o mundo. A faixa tem conquistado mercados importantes na América Latina, como o México. Dentro do TikTok, a música de Anitta ocupou o top 10 das mais tocadas da plataforma nos Estados Unidos. 

E todas essas conquistas na mídia e no mercado norte-americano vieram depois da artista se firmar de forma sólida no mercado latino-americano. Anitta fala com destreza em espanhol e conquistou espaços que foram fundamentais para a sua trilha no caminho do sucesso global. E esse caminho pavimenta também a conta bancária de Anitta: cada movimento dentro do cenário envolve muito dinheiro e a cantora, junto de sua equipe, consegue dar conta disso de forma sábia.

Anitta já é o momento e, ao seu modo, ela tenta deixar brechas para que outros artistas brasileiros e latinos também se destaquem nesse cenário. Mas Anitta não é a responsável por ninguém além dela mesma. “É difícil para a própria Anitta se sedimentar”, explica o pesquisador Thiago Soares. “Ela realmente está nos espaços mais nobres do mercado global, mas são movimentos que precisam ser reiterados; e são também muitos movimentos econômicos”. 

É difícil para a própria Anitta se sedimentar. Ela realmente está nos espaços mais nobres do mercado global, mas são movimentos que precisam ser reiterados; e são também muitos movimentos econômicos.

Thiago Soares

Professor e pesquisador da UFPE, integrante do grupo de pesquisa Grupop

“A Anitta consegue estar lá porque ela também tem um grande aporte financeiro por trás e eu ainda não vejo outros artistas com esse cabedal econômico tão forte”, finaliza Soares. Talvez agora, em 2022, se consiga ver outros artistas solidificando esses passos para um crescimento de escala global. Possivelmente, veremos os reflexos disso daqui alguns bons anos, como agora vemos os frutos de Anitta. 

Marketing esquema Madonna

Esse é o caso de Luísa Sonza, que vê em Anitta e Pabllo duas referências importantes. “A Anitta está abrindo muitas portas, a Pabllo também, para mim e outros que estão vindo depois. E eu pretendo, sim, expandir a minha carreira. Por enquanto estou na fase de estudo. Estudo muito, faço viagens para fora, analiso o mercado e vejo de que forma eu quero entrar nele”, explica a cantora. O plano de Luísa para esse ano é fazer shows internacionais mais voltados ao público que fala português enquanto entende melhor seus próximos passos no mercado internacional. 

Para o DJ Zé Pedro, “Anitta vem fazendo um trabalho incansável com marketing perfeito no esquema de Madonna, com atitudes polêmicas e produtores do momento a cada estação. Mas, na minha opinião, permanecerá com a tarja de artista de exceção. Uma ‘turista’ musical no tal do primeiro mundo”, e isso diz muito mais sobre o mercado internacional do que sobre as qualidade de Anitta. 

Como reforça o DJ, “aqui no Brasil, o pop brasileiro está num momento lindo, com uma lista infinda de canções enchendo as pistas de dança e tocando massivamente nas playlists da galera jovem. Ritmos como o piseiro e o brega funk têm se tornado uma realidade incontestável e vitoriosa”. Quem perde essas qualidades sonoras é o mercado que ainda pede esforços hercúleos de artistas para que consigam a efeméride de um hit na parada global. 

* Colaborou Nicolle Cabral

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Renan Guerra é jornalista de cultura e integrante do Podcast Vamos Falar Sobre Música. Apresenta no Instagram o programa Quero Música Nova, ao lado do DJ Zé Pedro, e também gosta de comentar reprises de novelas antigas no Twitter.

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