Divulgação/Melina Furlan (foto de Budah, a segunda da coluna de cima); as demais, fotos de divulgação
Como um gênero vivo e em constante evolução, o rap está sempre ganhando novas ramificações. É normal ficar perdide, mas a gente te ajuda
Desde a criação do hip hop e a escalada do rap para o mainstream, o estilo se ramificou e se modernizou diversas vezes. A ascensão do gênero passou essencialmente pela adaptação a culturas diferentes fora dos Estados Unidos. Com isso, o rap ganhou novas referências e, consequentemente, subgêneros. Essa expansão é resultado da globalização e do maior acesso às novas tecnologias, o que facilita a conexão cultural entre países.
Não existe estilo melhor ou pior, pois foi com a soma dessas ramificações que o rap abriu possibilidades, deu voz para mais artistas e possibilitou colaborações. Isso impactou diretamente na chegada do rap às paradas de sucesso. Os subgêneros mais celebrados, em números, são o boom bap e o trap.
Hoje, porém, o grime e o drill também têm feito a cabeça dos ouvintes mais jovens. A foto acima, aliás, traz representantes brasileiros de diferentes destes subgêneros do rap: no sentido horário, N.I.N.A. (grime), Budah (R&B contemporâneo), Matuê (trap) e Vandal (drill e grime).
Para conhecer um pouco desta árvore genealógica, a Tangerina vai passar, em ordem quase cronológica, por alguns subgêneros populares do rap, suas histórias e principais artistas.
O estilo de batida mais clássico do rap é, definitivamente, o boom bap. Sua origem foi uma consequência da falta de equipamentos que os DJs tinham no começo do hip hop, o que acabou criando um estilo mais “seco”. Nas palavras do grande defensor do estilo, o MC e produtor KRS-One, o “boom” é o bumbo e o “bap” é a caixa.
O boom bap surgiu na era de ouro do hip hop, entre meados dos anos 1980 e início da década de 1990, mas continua sempre atual e relevante. O estilo se desenvolveu na Costa Leste dos Estados Unidos e seu momento de grande prestígio foi mesmo os anos 1990. Junto com o boom bap, veio também os scratches —os riscos que o DJ faz no disco de vinil propositalmente.
No Brasil, o estilo é um dos favoritos entre os mais envolvidos na cultura hip hop. O boom bap também é bastante usado em batalhas de breaking.
Fora do Brasil: DJ Premier, RZA, KRS One, Q-Tip, Nas, Wu Tang-Clan, Rapsody, Ana Tijoux, Mos Def, Talib Kweli , Bahamadia e Queen Latifah.
No Brasil: Dow Raiz, Kamau, Matéria Prima, Flora Matos, Coruja BC1, Xis, Stefanie, Cris SNJ, Rodrigo Ogi e Emicida.
O rap é um gênero musical cujas letras podem falar tanto de amor quanto de violência e contar histórias reais. O gangsta rap é visto como um estilo que aborda exclusivamente temas que contam a realidade das ruas e das gangues. Este estilo se consolidou nos anos 1980 e um dos grupos precursores do foi o N.W.A.
Lá na década de 1990, surgiu o gangsta funk ou G-Funk, que aborda os mesmos temas, mas tem uma sonoridade diferente, com mais sintetizadores e fortes referências de funk music. A grande virada do estilo foi com o álbum The Chronic, de Dr. Dre.
Assim como foi nos EUA, as cidades litorâneas do Brasil desenvolveram o G-Funk, mas aqui o subgênero foi chamado apenas de… funk*. Sim, o funk que você conhece saiu daí! Já em cidades como São Paulo, o que pegou mesmo foi o gangsta rap. Na década de 1990, assim, surgiram grupos como Facção Central, 509-E, Face da Morte, Realidade Cruel e Racionais MC’s.
Fora do Brasil: Dr. Dre, Nate Dogg, Warren G, E-40, 2pac, Lil Kim, The Lady of Rage, Spice 1, Too $hotty, Ice Cube e Snoop Dogg.
No Brasil: Facção Central, 509-E, Face da Morte, Realidade Cruel, e Racionais MC’s.
* É importante citar que o miami bass, outro subgênero histórico do rap, também esteve diretamente ligado à origem do funk brasileiro, especialmente ao carioca. DJ Marlboro bebeu muito desta fonte quando surgiu com o estilo. O miami bass era muito popular na Costa Oeste dos EUA, nas décadas de 1980 e 1990, enquanto o gangsta rap estava em alta na Costa Leste.
O termo Rhythm and Blues, ou apenas R&B, foi introduzido na cultura norte-americana, de forma comercial, em 1940, pela revista Billboard. A expressão foi utilizada por pessoas brancas na década de 1960 para referir-se aos estilos musicais derivados do blues, gospel e soul music.
No início da década de 1980, o R&B começou a encorpar outros estilos, como rap, soul e funk. Com a nova fase musical, o chamado R&B contemporâneo ganhou bastante espaço comercial nos anos 1990. Foi aí que, pela primeira vez em sua história, o R&B ganhou uma categoria própria no Grammy. O primeiro vencedor foi o grupo Boyz II Men, em 1995.
Por ganhar grande influência de vários estilos, o R&B tem uma pluralidade sonora bem ampla, mas geralmente as letras sempre falam de amor. No Brasil, o estilo tem ganhado mais espaço e vive seu melhor momento desde 2019
Fora do Brasil: Lauryn Hill, TLC, Ne Yo, Janet Jackson, Rihanna, Beyoncé, Michael Jackson, Bruno Mars, Adele, Mariah Carey, Frank Ocean, Aaliyah e Snooh Aalegra.
No Brasil: Budah, Alt Niss, Jean Tassy, Fabriccio, Tássia Reis, Yoún, Luccas Carlos, Agnes Nunes e Drik Barbosa.
O estilo gospel é um grande pilar para a música negra norte-americana, e também um dos mais antigos. Criado no início do século 20, o gospel tem canções que envolvem coral, piano, órgão, guitarra, bateria e baixo. Um dos grandes responsáveis por colocar o gospel no mainstream foi Ray Charles, na década de 1950. Na época, ele foi duramente criticado pela comunidade cristã.
O ritmo é o grande pai da música negra, pois deu origem a estilos como blues, R&B, rock e soul music. Consequentemente, é um grande pilar para o rap e foi incorporado nas músicas de hip hop. Muitos artistas do movimento lançam composições gospel em seus álbuns, o que fez o hip hop crescer dentro do universo cristão dos EUA. Um bom exemplo é Kanye West, que lançou Jesus is King em 2019, um álbum essencialmente gospel
Fora do Brasil: Chance The Rapper, John Legend, Anthony Hamilton, Kirk Franklin, Aretha Franklin e Kanye West.
No Brasil: Ao Cubo, Pregador Luo e Expressão Ativa.
Este subgênero que incorpora sonoridades e instrumentos do jazz é parte de um lado mais alternativo do hip hop. Ele traz uma consciência política fundamental nas letras. Afinal, tanto o jazz quanto o rap são grandes símbolos de resistência e de transformação social.
A tendência da mistura começou em 1985, quando a banda Cargo, que era liderada por Mike Carr, lançou o single Jazz Rap no álbum Jazz Rap, Volume One. Em 1988, porém, o grupo Gang Starr lança seu primeiro single, Words I Manifest, que traz mais a sonoridade do que seria o jazz rap dali em diante.
Por ser um estilo mais alternativo, a exportação musical para o Brasil não teve tanto sentido culturalmente. Afinal, o jazz não é exatamente popular por aqui, onde tivemos o samba e a MPB. Muitos artistas de rap nacional usam mais samples de música brasileira nas músicas, como Marcelo D2 faz ao unir rap e samba.
Fora do Brasil: Digable Planets, Guru’s Jazzmatazz, The Roots, A Tribe Called Quest, Gang Starr, Common, Jazz Liberatorz, Rejjie Snow e Noname.
No Brasil: Kamau e Mental Abstrato
A primeira grande fusão entre rap e rock veio com Run DMC e Aerosmith, na lendária Walk This Way, em 1986. Naquele ano, era lançado o álbum Licensed To III, dos Beastie Boys, que carimbou mais o estilo na cena hip hop. A junção de gêneros completamente opostos deu muito certo e foi ganhando o mainstream.
No Brasil, ele também foi muito abraçado. O Planet Hemp foi o responsável para fazer da fusão um sucesso por aqui. Mas uma das principais fusões nacionais foi entre Charlie Brown Jr. e RZO (ouça essa).
Fora do Brasil: Beastie Boys, Joey Bada$$, Rage Against Machine e Cypress Hill.
No Brasil: Planet Hemp, Charlie Brown Jr, Pavilhão 9, RPW e Câmbio Negro.
O subgênero do rap surgiu nos anos 2000 e ganhou bastante popularidade, sendo fundamental para reavivar o hip hop, desde então. O trap é uma música mais eletrônica e traz com ele um lifestyle específico, o que gerou um movimento mais comercial. O estilo ganha destaque nas produções audiovisuais, que também têm uma linguagem própria.
As letras costumam “tirar onda”, com um tanto de ostentação, drogas e sexo. O termo “trap”, em inglês, significa armadilha. Em Atlanta, onde o subgênero se criou, ele se refere às casas onde os traficantes vendem drogas. As batidas do estilo podem ser facilmente criado em aplicativos para computadores e até em celulares. Por conta desta simplicidade tecnológica, o trap viralizou mundialmente.
No Brasil, o subgênero do rap ganhou muita força na última década e também foi importante para reforçar o interesse dos jovens no hip hop. Hoje, o trap alcançou tanta popularidade que seus elementos estão incorporados na música pop e no funk brasileiro. É um dos estilos mais ouvidos no mundo. Atrações do Rock in Rio, Megan Thee Stallion e Migos são, essencialmente, artistas do trap, assim como A$AP Rocky e Doja Cat, que vêm ao Lollapalooza Brasil.
Fora do Brasil: Kendrick Lamar, Migos, Gucci Mane, Cardi B, Nicki Minaj, 21 Savage, Travis Scott, A$AP Rocky, Future, Megan Thee Stallion e Doja Cat.
No Brasil: Raffa Moreira, Tasha & Tracie, Matuê, MC Caverinha, Slipmami, Sidoka, ONNiKA, Duquesa, Mc Poze do Rodo, BK, Djonga e Bivolt.
Assim como o rap se juntou ao rock lá nos anos 1980 e 1990, outro subgênero do rock se juntou com o trap. Assim nasceu o emo trap, ou emo rap. Essa junção criou uma forte comunidade redor do estilo e uma identidade mais sombria, que pode ser vista tanto na estética visual quanto audiovisual.
As letras usam e abusam de versos sentimentais e mais “para baixo”. O termo “sad boy” (garoto triste, em tradução livre) é bastante usado para se referir aos que gostam e produzem para o estilo, que foi criado pelo rapper sueco Yung Lean.
O emo trap também foi bastante abraçado no Brasil. Porém, por conta do excesso de fragilidade emocional colocado nas músicas, gerou um alerta sobre a saúde mental dos jovens. Assim como o trap, o ritmo também tem como tema o uso e abuso de entorpecentes.
Fora do Brasil: Lil Uzi Vert, Juice WRLD, Iann Dior, Princess Nokia, Trippie Red, Logic, Mac Miller e Post Malone.
No Brasil: Yung Buda, Yunk Vino, Raffa Moreira e Klyn.
O grime é um dos subgêneros do rap em alta. Ele pode ser considerado um estilo pós-moderno do trap, que nasceu nas comunidades de imigrantes jamaicanos da Inglaterra no início dos anos 2000. Com um estilo muito mais eletrônico e acelerado que o trap, o ritmo tem influências de drum & bass, ragga e jungle. Geralmente, as músicas têm 140 BPM e os MCs usam 8 versos de compasso, diferente dos 16 tradicionais do rap.
O estilo é novo no Brasil, mas teve uma conexão imediata com o funk. O primeiro projeto a realizar essa mescla foi o álbum Brime, do rappers Febem e Fleezus com produção de CESRV, em 2020. Este foi um grande marco recente do rap nacional —o disco chegou a ser lançado em vinil por um selo britânico.
Desde então, o estilo por aqui se acoplou de vez no funk, mas também no pagodão baiano e samba-reggae. É importante pontuar, porém, que o primeiro grime brasileiro foi feito em 2002, por ninguém mais, ninguém menos que Chorão e MV Bill.
Fora do Brasil: Skepta, Dave, Stormzy, AJ Tracey e Ms Banks.
No Brasil: Febem, N.I.N.A, Aka AFK, Antconstatino, Brasil Grime Show, SD9, Derxan, Vandal e Kyan.
O drill é um estilo bem controverso, pois muitos afirmam que ele não faz parte da árvore genealógica do hip hop. O estilo, que tem muitas referências de trap, surgiu em Chicago e chegou ao mainstream por lá em 2012. O gênero traz uma pegada mais sombria, com uma estética mais violenta, na qual os artistas geralmente cobrem o rosto. O drill também tem causado um grande impacto na moda, pois, diferentemente do trap, os artistas usam roupas esportivas e menos ligadas em ostentação.
Assim como o grime, o drill foi bem aceito e incorporado no Brasil. E também incorporou a estética violenta e explícita nas músicas. Seus clipes costumam exibir muitas armas, o que tem chamado a atenção das comunidades.
Aliás, recentemente, também por conta do drill, o prefeito de Nova York, Eric Adams, fez críticas ao excesso de violência e armas expostas na internet. “Expulsamos Trump do Twitter e, no entanto, permitimos que continuem nestes sites de música a exibição de armas e violência”, disse ele.
Fora do Brasil: Digga D, Pop Smoke, King Von, Zoenia e Central Cee.
No Brasil: Iza Sabino, Leall, Vandal, Kyan, L7nnon, BK e Antconstantino.
Mari Paulino
Mari Paulino é jornalista cultural, mas entrou na publicidade e trabalha com Music and Brands. Nascida na periferia da zona sul de São Paulo, é fã do Miranha, cultura hip hop, cultura pop, teorias da conspiração e skincare.
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