Suzana Pires em cena da novela Bom Sucesso
LIVRE DE AMARRAS

De bruxa da Disney a fada-madrinha, Suzana Pires luta pelo girl power

Em entrevista exclusiva, atriz e escritora abre o jogo sobre machismo, seu projeto para valorização das mulheres e as séries que está desenvolvendo

Victor Pollak/TV Globo

Luciano Guaraldo
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Suzana Pires teve um 2022 de viradas: depois de 23 anos, abriu mão de seu contrato fixo com a Globo para tentar carreira internacional. Não só como atriz, mas também autora –posição que já exercia, embora com frequência menor, na antiga emissora. A aposta parecia um risco, mas deu frutos: dividida entre Los Angeles e o Rio de Janeiro, ela vive uma bruxa má na série A Magia de Aruna, do Disney+, desenvolve a atração Black Angel em parceria com Seu Jorge e foi contratada por um estúdio internacional para tocar um projeto sobre mulheres empreendedoras.

O último tem tudo a ver com a vida de Suzana longe das câmeras também. Desde 2018, ela é presidente do Instituto Dona de Si, um acelerador e alavancador de mulheres que aborda de desenvolvimento pessoal a finanças e marketing digital. A ideia nasceu após ela ser convidada para escrever uma coluna em uma revista feminina. Em vez de moda ou beleza, a artista quis abordar o empreendedorismo. Agora, deseja ver mulheres no topo de todos os setores –um lugar que ela mesma já sofreu para ocupar.

“O instituto nasceu no momento em que eu me vi em um ponto da carreira e da vida que era muito único o que eu estava fazendo, ser uma atriz que também escreve, que toca projetos grandes e que reúne uma certa quantidade de características profissionais. E não foi fácil para mim habitar o topo no início, a liderança de um projeto, era algo muito louco”, lembra Suzana Pires em conversa exclusiva com a Tangerina. “Pensei: ‘Se não é fácil para mim, imagine para outras mulheres que não são famosas nem têm a série de privilégios que eu tenho?’.”

“Eu sempre fui feminista, meu pai me deu livros de Simone de Beauvoir [1908-1986] para ler quando eu tinha 14 anos. Quando me tornei roteirista-chefe na Globo, já era uma atriz conhecida e estava fazendo carreira dentro de uma empresa com uma estrutura enorme. Mas sentia que, como mulher, atriz, comediante e sex symbol, ou o que fosse, eu tinha que me provar três vezes mais em tudo o que fazia. E era muito natural para os outros, mas para mim ficou tão desgastante que eu precisava escrever sobre isso. Aí surgiu a coluna Dona de Si, que virou marca e agora é um instituto. E a ideia é que o instituto cuide dessa base feminina para aplacar a nossa sobrecarga, a nossa solidão e as opressões que vivemos”, ressalta.

Workaholic, mas com limites

Suzana Pires durante participação no TEDx Talks, em São Paulo

Suzana Pires durante participação no TEDx Talks, em São Paulo

Reprodução/Instagram

Em quase cinco anos, o Dona de Si já acelerou mais de 2 mil mulheres. “Tomou uma proporção que só cresce, sabe? Era o tipo de coisa que eu pensei: ‘Não tenho nem como falar não, porque preciso fazer, é uma missão’. E eu amo fazer, de verdade! E me faz bem também, hoje eu não me sinto mais sozinha para nada, sei que estou em uma rede feminina muito forte, que foi construída por todas nós. Fui o motor, mas se tornou algo muito maior do que apenas eu.”

Viciada em trabalho, Suzana também precisou aprender e dizer “não” a certas coisas e entender a hora de dizer “sim” a outras. Ela mesma admite que isso é um desafio constante. “Aprendi a impor limites e lidar com as opressões de uma maneira mais tranquila, sem ser agressiva. De um jeito suave, que não me machuque. E agora eu consigo dizer ‘não’, então fico menos sobrecarregada. É mais fácil falar do que fazer, mas é basicamente isso (risos).”

“Eu tenho uma equipe hoje, o meu empresário e outras pessoas que trabalham comigo, que me sinalizam e ajudam a dizer ‘não’, a me organizar. Porque a minha vontade era aceitar tudo, mas não há horas suficientes no meu dia (risos). Mas eu sei que, como atriz, por exemplo, preciso fazer pelo menos um trabalho por ano, senão eu não funciono para o resto. Vou ficar mortinha. A energia de ser atriz é o que faz tudo acontecer. Então nós nos organizamos para eu dizer: ‘Olha, infelizmente eu não vou poder fazer isso neste ano, mas se for daqui a três anos eu posso'”, explica ela.

Bruxa má que solta raio pela mão

Suzana Pires nas gravações de A Magia de Aruna

Suzana Pires nas gravações de A Magia de Aruna

Reprodução/Disney+

A cota anual de atuação de 2022 foi para a série nacional A Magia de Aruna, do Disney+. Na atração, prevista para estrear no ano que vem, Suzana vive Bruma, uma bruxa má que tem tudo para se juntar à grande galeria de malvadas da empresa do Mickey Mouse, como Úrsula, Malévola, Cruella e a Rainha Má da Branca de Neve. “É a primeira grande vilã da Disney na América Latina, né? Isso me fez ficar muito emocionada com o convite. Sai raio do meu olho, sai raio da minha mão, eu tenho vários poderes”, adianta ela, que se encantou com a possibilidade de trabalhar com efeitos especiais.

“É uma coisa incrível você estar às 3h da madrugada na frente de um chroma key, aquela tela verde em que você precisa imaginar tudo o que está à sua volta porque nada existe de verdade. E ao mesmo tempo tem que estar paradinha para o efeito especial ficar bem feito. E é tudo realizado no Brasil, a computação, os superpoderes, isso é muito especial para nós.”

Bruma também é uma malvada com camadas –que vão sendo descascadas aos poucos. “A princípio, você acha ela superlegal. Você a ama logo de cara, mas depois vai descobrindo a verdade. Eu amei essa nuance dos roteiros. Até eu estava me enganando que era legal, mas depois vi que não era tão legal assim (risos). Mas ela é fashion, gostei muito do figurino dela, são roupas incríveis”, reconhece a atriz.

Suzana ainda elogia outros pontos dos bastidores da série. “A Magia de Aruna vai estrear em mais de 190 países, é um número bem alto. E vem com muita brasilidade, sabe? Tem uma chefe de roteiro [Maíra Oliveira] que é uma mulher negra, isso para mim faz toda a diferença. Na primeira reunião, a Disney já destacou a importância do respeito entre toda a equipe, algo que eu valorizo também. É uma empresa que fala a minha língua, que compartilha a minha visão de mundo. Então, eu voltei a ficar confortável no trabalho.”

A vida começa aos 50?

Suzana Pires em foto do Instagram

Aos 46 anos, Suzana diz estar na melhor fase de sua vida

Reprodução/Instagram

Ter lido Simone de Beauvoir no passado preparou Suzana Pires para ser uma mulher que desafia as convenções. Ela nunca teve vontade de se casar nem de ter filhos –apesar de ser “mãe de pet”, ressalta. Também não vê problemas em envelhecer diante dos olhos do público. “Eu vou chegar aos 50 daqui a quatro anos, e acho que vai ser o meu melhor momento. Vai ser assim: ‘Meu Deus, quanto trabalho legal na praça!'”, valoriza a atriz e roteirista, que não pode se queixar da falta de oportunidades.

Além de A Magia de Aruna, a parceria com a Disney também rendeu um projeto no Star+: Black Angel, que ela desenvolveu juntamente com Seu Jorge durante a pandemia. E de sua vida em Los Angeles saiu Woman Inc, projeto que vai falar sobre empreendedorismo feminino. Questionada pela Tangerina, ela desvia na hora de dar mais detalhes sobre as duas atrações. “Os contratos que assinei têm cada multa, vou dever milhões se eu falar meia frase (risos)”, exagera.

“É uma competição entre os streamings, as produtoras, o tempo todo, né? Então não posso falar nada. Mas são projetos incríveis. Um deles o Seu Jorge falou no Roda Viva, foi a primeira vez que ele criou uma série. O Jorge é um gênio e nós nos juntamos para fazer o projeto, desenvolver a Bíblia disso. Tem a série que está em andamento. E eu tenho uma parceria incrível com a Thalita Rebouças, com alguns filmes para fazer e muito trabalho pela frente!”

Falta de oportunidades na Globo

Suzana Pires em evento de apresentação de Sol Nascente

Suzana Pires em evento de apresentação de Sol Nascente

Divulgação/TV Globo

Com tantos projetos no horizonte, Suzana não se empolga com a ideia de voltar a escrever novelas: depois de ser colaboradora em Flor do Caribe (2013), ela assumiu o cargo de autora principal de Sol Nascente (2016) ao lado de Walther Negrão e Júlio Fischer. Mas uma sequência de problemas de saúde do veterano forçaram a artista a conduzir a trama praticamente sozinha. Ela segurou o rojão e ofereceu outros projetos para a Globo. Nenhum foi aprovado. “Foram três sinopses de novelas, um argumento e uma série. Nada rolou”, desabafa.

“Pensei: ‘Não vou ficar aqui. Desculpa, mas eu preciso sair’. Faltava um ano para acabar o contrato [de autora], mas tive uma conversa com as pessoas que precisava e me coloquei ali. Falei: ‘Eu não sei o que está pegando, se vocês não estão gostando da minha visão de mundo, sei lá, mas não posso ficar em um lugar em que estou começando a perder a confiança em mim mesma. Trabalhei muito para acreditar em mim, consegui mostrar para vocês que dava para ser atriz e autora. Olho para trás e não vejo onde está o problema, então não é comigo, acho que é com vocês’ (risos). E foi isso.”

Antes de tomar qualquer decisão precipitada, ela trabalhou muito a autoconfiança, os desejos e as expectativas em sessões de análise. “Quando cheguei nesse momento na terapia, falei assim: ‘Quer saber? Isso não é mais o mais importante. O mais importante para mim agora sou eu’. Aí a minha vida voltou a fluir, porque eu estava chegando em um ponto muito ruim de cabeça, de autoestima, e acho que isso não é justo, que nós nos coloquemos nessa situação. Foi muita terapia mesmo, uma vontade imensa de passar por essa fase e sair viva do outro lado.”

Suzana nunca chegou a ouvir uma explicação oficial para a recusa de todos os projetos que apresentou à Globo. “Eu não posso dizer se foi misoginia, se foi isso ou se foi aquilo, porque pode ser um monte de coisas que eu nem sei. Mas com certeza não foi a dramaturgia”, aponta. Agora, porém, a situação na emissora é diferente: Silvio de Abreu, que liderava o departamento na época, deixou a Globo em 2020. O setor agora é comandado por José Luiz Villamarim, que responde a Ricardo Waddington.

A nova direção empolga o lado autora da artista a escrever para a Globo? “Eu deixei muitos amigos na emissora, foram mais de 15 anos lá dentro. Não saí xingando as pessoas, nada disso. Eu me dou muito bem com o Ricardo Waddington, com o Amauri Soares [responsável pela programação]. Eles me viram fazer elenco de apoio, ser colaboradora, me respeitam muito. Se fizessem uma encomenda, eu toparia, tenho várias novelas guardadas. E encomenda de trabalho é sempre bem-vinda! Mas 200 capítulos? Ai, Jesus, me dá uma coisa menor para fazer (risos)”, diverte-se.

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QUEM FEZ

Luciano Guaraldo

Editor-chefe da Tangerina. Antes, foi editor do Notícias da TV, onde atuou durante cinco anos. Também passou por Diário de São Paulo e Rede BOM DIA de jornais.

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