Divulgação/Spotify
Porto-riquenho lança o grande álbum da semana, que ainda teve Criolo, Arcade Fire, João Gomes e singles de Juliette e Lady Gaga; saiba o que ouvir (ou não)
Hoje não há tempo para bom dia —tem tanta música nova pra ouvir que eu mesma tive que decidir se digitava ou ouvia o próximo lançamento. Entre Doja Cat mandando um Elvis, Juliette mandando um brega e Criolo mandando a real, parece que o mundo da música acordou coletivamente e resolveu encher seu Spotify de novidades “imperdíveis”. O pior é que, realmente, eu achei um bocado de coisa imperdível.
Me considere sua playlist Radar de Novidades, então. Sem mais delongas, segue a seleção das músicas do momento, com uma opinião confiável do que você deve pensar delas.
Cítrico, quente, solar, genuíno
Dois anos depois de seu último álbum (cujo nome parece quando você esbarra todos os dedos no teclado de uma vez: YHLQMDLG), o porto-riquenho Bad Bunny volta com o disco Un Verano Sin Ti. Como bom amigo do Drake, ele também parece gostar de fazer álbuns com muitas faixas. A diferença é que, ao contrário do rapper, Bad Bunny faz músicas com mais de 2 minutos.
Bad Bunny é um fenômeno interessante: talvez por ser mais popular em outros países latinos (ou nos EUA?) que no Brasil, eu perdi o momento em que ele foi consolidado “o maior popstar da atualidade” ou algo parecido; mas, em Un Verano Sin Ti, ele honra o título que lhe foi dado. É um disco extremamente criativo, que surge de repente com mambo, cumbia, dembow e mais —e não me parece ter muita preocupação em tocar nas rádios o tempo todo, o que é uma característica frequente de Bad Bunny.
Assista ao clipe de Después de La Playa
Música é um dos destaques do disco de Bad Bunny
De forma similar à Rosalía, Bunny consegue alternar entre os hits que se espera de um nome mainstream e a autenticidade de um artista que ama o que faz. Pra além da sonoridade que escancara as raízes de Bad Bunny, os feats também são muito bem selecionados: ele não convida Cardi B, mas os menores Buscabulla, pra mostrar uma outra Porto Rico além da sua própria.
Eu ouvi esse disco tomando café e, sinceramente, deu vontade de botar uma rodela de limão na xícara. Un Verano Sin Ti é uma viagem repleta de texturas pra quem não pode pegar o carro e fazer um mochilão até o México. De Después de La Playa a Otro Atardecer, esse verão sem você é um verão latiníssimo, em suas várias versões. Isso aí, estadunidense não faz.
Um disco duradouro (eu acho) sobre uma realidade que vai passar (eu espero)
Esse é daqueles álbuns que, primeiro, você respira fundo. Depois, dá o play.
Lembro de ouvir Criolo cantando “meninos mimados não podem reger a nação” e, de forma tola, acreditar que o então-presidente era o maior problema que tínhamos. Infelizmente, Criolo foi mais premonitório que narrador daquele presente que vivíamos —e, pro hoje, esse narrador teve que tomar fôlego antes de soltar seus versos.
Sobre Viver é dito como o terceiro capítulo de uma trilogia (completando Nó na Orelha e Convoque Seu Buda), mas tem um efeito à parte; talvez porque não marque só uma crítica sistêmica, mas uma ferida extremamente aberta, longe de cicatrizar. Tudo no estilo Criolo de fazer: ainda que algumas faixas tenham um som mais tranquilo, como o reggae de Moleques São Meninos, Crianças São Também, o protesto está em cada palavra. Isso quando ele não exerce toda a raiva e angústia que guarda dentro de si, o que acontece em Sétimo Templário: “vocês votaram na morte”.
Ouça a parceria entre Criolo e Milton Nascimento
Música se chama Me Corte Na Boca do Céu a Morte Não Pede Perdão
Musicalmente, é um disco muito rico, com convidados preciosíssimos. Criolo repete algumas vezes a eficaz parceria com Tropkillaz, mas também traz sua mãe, traz Liniker, MC Hariel, a cabo-verdiana Mayra Andrade e o divino Milton Nascimento (no jazz soturno, emocionante, de Me Corte Na Boca do Céu a Morte Não Pede Perdão). Nessas parcerias, o artista lembra que o rap guia as coisas, mas não o limita; Criolo é música brasileira pura, música popular brasileira, até.
É curioso que, logo depois do que aconteceu com a Lei Aldir Blanc, a gente se depare com o disco Sobre Viver: uma obra autoexplicativa sobre a necessidade da arte sobreviver, dizer o que tem a dizer. A gente espera que a realidade desse álbum passe rápido. Mas o disco, eu acho, vai ficar. E merece.
Uma pretensão de leve nunca fez mal a ninguém
Aparentemente, muita gente estava doida pelo retorno do “velho Arcade Fire” (leia-se: não o Arcade Fire de Everything Now). Com o lançamento de WE, novo disco da banda, ouvi dizer que essas pessoas passam bem.
WE é um disco ambicioso —você percebe isso de primeira, no nome das músicas (Age of Anxiety, End of the Empire), na capa, em todo o pacote. Aliás, eu arriscaria dizer que o álbum tenta ser o seu Ayahuasca pessoal: uma experiência que te faz pensar sobre as grandes questões da existência, saindo mudado ao fim.
Assista ao novo clipe do Arcade Fire
Vídeo junta as faixas The Lightning I e II
E como todo bom disco ambicioso, dá pra perceber que tudo foi muito pensado, cada nota, cada instrumento. Em WE, o espetáculo está em levar o tempo para construir cada canção, te levando devagar até o clímax da faixa (não é à toa que a maior parte delas está dividida em duas). É dramático, mas não cansativo; a cada duas canções, você se vê em outra atmosfera.
Em mim, eu não diria que teve todo o efeito que pretende —sou mais de músicas sobre experiência pessoal que coletiva—, mas não deixa de ter algum efeito; os ecos, as cordas, a percussão, é impossível não sentir uns arrepios. Se você estiver no dia certo (ou a fim de ouvir um Peter Gabriel), então, vai te arrancar algumas lágrimas. Agora, sobre o Ayahuasca, nunca tomei pra dizer se parece ou não.
O feat que o povo pediu! Elvis Presley Remix feat. Doja Cat
Coitada da Doja Cat, presa naquela situação que todo brasileiro conhece bem: a vontade de largar tudo e pedir demissão. Todo dia, a artista ameaça aposentar —só pra, logo em seguida, aparecer com música nova. E, te falar, a gata trabalha, viu.
Vegas é uma música feita pra Elvis, do Baz Luhrmann —filme que já me deixa animada pela sequência de palavras “Elvis, do Baz Luhrmann”. Na faixa de Doja, rola uma interpolação da faixa Hound Dog, de Presley (interpolação porque, aqui, é cantada em outra voz). Sobre o sample, Doja quase não descansa em seus versos, deixando pouco espaço pra respirar. É uma boa música —e ótima demonstração do talento da rapper—, sem ofuscar ou brigar com a ideia do filme; me incomodaria se fosse um cover simples, na verdade. Com Elvis é difícil mexer.
Doja Cat na trilha de Elvis
No filme, Austin Butler promete requebrar tudo como o Rei do Rock no novo musical de Baz Luhrmann
Você sabia? Ela é cinéfila!
Falando em música pra filme —e em artista que promete uma coisa e cumpre outra—, temos aí a nossa querida Lady Gaga. A mulher que nunca mais pretende largar o cinema, me parece.
De regatinha branca e a voz potente de sempre, Gaga entoa o que é uma espécie de balada de rock, épica e sem surpresas —o que encaixa perfeitamente com a ideia de um segundo Top Gun em 2022. A faixa sobe, sobe, sobe, sobe, acompanhada por gritos desesperados de quem quer muito que sua mão seja segurada; te faz suspirar e dizer “sim, Gaga, eu sei que você é teatral e canta pra caramba”. Vai combinar com o filme, caso tenha alguma cena daquelas clichês que, ainda assim, te arrancam uma lágrima na base da adrenalina. Até aí, missão cumprida.
O problema é que a faixa inevitavelmente te faz pensar: ah, que saudade da Lady Gaga do pop; a que criava obras audiovisuais, de moda e estética históricos. O que ficou é uma cinéfila fanfiqueira, talentosíssima, mas que não enxerga na música todo o horizonte que viu um dia. Pena pra quem? Não pra ela. Ela é rica e faz o que quiser.
Ouça Hold My Hand
A música foi feita exclusivamente para ser parte da trilha do filme
Outras em uma frase
Cansar de Dançar – Juliette:
considerando o novo vencedor do BBB, eu até comecei a gostar da carreira musical dela.
🙁 UMA BAD UMA FARRA 🙂 – Di Ferrero:
D.M.B. – A$ap Rocky (também conhecido como o clipe da Rihanna):
graças a Deus, tá na moda ser romântico.
Digo ou Não Digo – João Gomes:
tem coisa que nem vagabundo merece :/
Nascer, Viver, Morrer – Tim Bernardes:
linda música sobre aquele ciclo da vida que a gente estuda no jardim de infância.
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Por hoje é tudo isso —e olha que ficou coisa de fora, como o álbum do Jack Harlow que é cheio de clickbait: tem clipe com a Anitta, música chamada Dua Lipa, feat com Pharrell, Drake, Justin Timberlake, Lil Wayne. Mas hoje eu não quis dar muita bola pra estadunidense, não. Só indie estadunidense, que já é uma minoria silenciada.
E, sobre esse disco, fica uma dica: hoje em dia, álbum de artista desse calibre é melhor nem ouvir de primeira. Deixa o TikTok fazer sua seleção natural e, aí, você ouve as que fizerem mais sucesso por lá. É pra isso que a geração Z inteira existe. Você não sabia?
Para essas e outras dicas, já sabe: não perca a coluna Fresquinhas! no site Tangerina. Toda sexta, por aqui.
Dora Guerra
Dora Guerra é pesquisadora musical e pensa mais sobre o tema do que deveria. Na Tangerina, publica a coluna Fresquinhas!, sobre lançamentos musicais. Suas posses incluem: a newsletter Semibreve, o podcast Queijo Quente, uma vira-lata caramelo, alguns vinis e uma vitrola estragada.
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